quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Cheiros e aromas

Escutas o som da chaleira. Primeiro aquele sopro agudo espalhando o vapor pela casa, depois o cheiro do chá. A infusão de hibiscos, amoreira, camomila, eucalipto, rosas e tantas outras, enlevam-te os sentidos e murmuram-te frases lúbricas aos sentidos, tantas vezes perdidos.
Olhas através da janela para a serra, e sentes as folhas do pinheiro-manso, do sobreiro, do carvalho, orvalhando a estrada até àquele Monte onde a Lua se deitou pela manhã. Conheces a magia que a desnuda nos versos que cantas, embora do corpo entendas apenas a prata pronta para a noite de amor claro, milimétrico, concêntrico que te fascina.
Arqueias a sobrancelha sobre o aro do ardil ardente que os seus dedos exploram no escuro, e nasce-te o arquejo do peito que quase explode de desejo.
Vives no chalé, perto da chácara onde ela, selvagem, comemora a feitiçaria com a mãe-natura.
Acompanhas a miragem dos braços que te chamam num aroma incorpóreo.
Queres para ti as longas pernas e o poço profundo, o chafariz do prazer guardado no segredo da tua língua, num paladar obsceno.
Chamas os montículos argentinos que despontam mesmo antes do dia nascer, para que a tua boca seja o cálice do seu prazer, mas o grito sai mudo.
Levantas a mão para o triângulo aberto da tua perdição, mas ela vira as costas num gesto casto, extremoso…
Porém, a brisa afasta-te dela, e o cheiro escapa-se pelas frinchas das portas, das janelas, dos teus olhos.
Louco, és o poeta que agarra no fio brilhante da faca afiada e corres para o campo.
Com as mãos trémulas, arriscas uma última prova de amor: desenhas no tronco da árvore mais próxima o teu nome com o nome da Lua, dentro de um coração que o tempo jamais apagará.
Ela chora, pois o sangue de sua irmã foi derramado por amor!
O cheiro? Desponta todos os dias, quando abres a janela do coração e te deixas, por ela, levar ao altar da insensatez.

Rosa Alentejana Felisbela
23/08/2018
(tema sugerido pelo meu amigo Luís Bento)
(imagem da net)

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