sábado, 17 de novembro de 2018

A curiosidade


Sacudiu a gabardina ao chegar ao parque de estacionamento. Aquela humidade enervava-o sobremaneira.
Sentia-a nas pestanas longas que lhe escureciam ainda mais os olhos, sentia-a nas maçãs salientes do rosto, ficava suspensa na barba aparada, como minúsculas pérolas periclitantes, e nas pontas do cabelo liso que lhe caíam suavemente sobre a testa, embora estivesse curto na nuca.
A gravata vermelha estava demasiado apertada, por isso, levava a mão ao nó e tentava ajustá-la, constantemente. Desde que vira aquela mulher que tudo o incomodava.
Desapertou o colarinho alvo da camisa, desabotoou o casaco do fato escuro de bom corte, deixando vislumbrar o cinto negro. Abanou as calças e bateu com os sapatos bem engraxados no chão. Tudo por causa da humidade. E ela nem sequer o tinha olhado nos olhos. Desejou poder voltar atrás, e dizer-lhe que achava inconcebível ela nem se ter dignado a olhá-lo nos olhos. Ele entregara-lhe o lenço…
Retirou as chaves da pasta que carregava, mas elas caíram sobre o chão húmido, ficando cobertas de uma mistura de folhas alaranjadas e terra. Contraiu os maxilares e abriu as narinas, tentando manter a calma sem praguejar. Não o fazia habitualmente, porém sentia-se desorientado. Uma leve raiva aflorava-lhe o pensamento. Aquela mulher…Nem lhe tinha visto o rosto.
Desconhecia qualquer pormenor da sua identidade, vira a aliança na sua mão e isso deixava-o impotente. Quando por fim, entrou no carro, ligou o ar condicionado e principiou a sentir-se mais calmo.
Todavia, quando virou o volante para passar na rua onde ela desaparecera, deixou-se inundar novamente pela curiosidade. Mas não sabia como voltar a encontra-la.


Rosa Alentejana Felisbela
17/11/2018
(imagem da net)

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