segunda-feira, 16 de março de 2020

Temporal


Sabes, hoje o vento fustiga o meu cabelo em açoites de noite de temporal. O frio entranha-se nos poros e seca-me a pele deste dia sonolento, triste. No recanto do meu quintal observo as folhas viçosas das roseiras e as hastes erguidas em prece por um pouco de paz, mas recebendo uma força incontida que as verga e desampara. A minha garganta seca não transparece a sede que a saudade deixou. Mas o meu olhar não engana. Da fímbria do que sou emerge um amor tranquilo, correto, puro. Ainda o sinto transpirar para fora da tua ausência, esse amor que sabe e sente a suavidade dos dias que passam. O tempo, esse velho de borracha em punho, jamais apagará esse amor, porque não existe borracha de tal tamanho. Sabes, o sol ofusca-me, o sol aquece-me, o sol sustenta a minha vitamina em formato de coração e dá-me força. Mas a Lua despe-me e deixa-me nua à beira do precipício. Por vezes, o abismo chama-me como Eco a ludibriar-me. Os meus pés quase escorregam, mesmo na margem da noite. Mas eu abraço-me e fecho a dor por dentro. Sabes, ainda me falta colher a última laranja madura, saborear o último gomo e lembrar o perfume da flor que me deixaste na mão. Sabes, eu não quero arrancar a raiz da laranjeira do meu quintal, só porque o vento me fustiga os cabelos em açoites de temporal.
Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
16/03/2020

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