sábado, 28 de julho de 2018

Silêncio


Quando era miúda detestava o silêncio. Aquele de ter por casa, na ausência dos meus pais e avós. Sobretudo os que já tinham falecido. Não queria cruzar-me com eles em algum canto escuro da casa. Não queria ouvir as suas gargalhadas no eco do meu medo. Tinha medo, sim, da morte deles. Aquele medo irracional de quem tem uma idade inconveniente para conviver com rostos gelados de morte num caixão plantado no meio do quarto de dormir e ter que os beijar na hora exata da despedida. Aquele medo de os vir a encontrar sentados a conversar sobre assuntos do dia nas cadeiras da cozinha, e ter que os cumprimentar como se estivessem vivos. Sempre tive pavor do silêncio, da ausência de ruído. Por isso, quando estava sozinha em casa, ligava o rádio de pilhas e colocava o som alto para poder estudar. Apesar do luto das roupas, usava o colorido das vozes dos radialistas e as músicas para preencher os pensamentos. Nunca suportei o silêncio. Ele recordava-me a falta de comunicação entre as pessoas que eu não tinha para conversar. Recordava-me a quietude, o sossego que eu nunca tive, a falta de uma explicação para o medo de perder alguém. Prefiro uma explicação triste do que um silêncio sem discussão. Acredito que a minha imaginação tenha criado um beco sem saída para os meus fantasmas. Acredito que preciso de contar os meus segredos, que preciso de ajuda. Admito a possibilidade de criar amigos como quem descreve uma personagem à medida dos meus defeitos e das minhas qualidades. À medida do meu abraço feito de solidão infantil. Mas nunca menosprezando a minha inteligência e capacidade de resiliência. Todos as temos, às vezes escondidas em locais ermos da nossa personalidade. Um dia virão à tona, possibilitando a felicidade.

Rosa Alentejana Felisbela
28/07/2018

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