domingo, 31 de janeiro de 2016

Sinto frio


Sinto frio.

O frio parte-se em miríades
de vontades parcas
sobre as costas da existência
desesperada
entre o que te disse
e o que deixei por dizer.

E porquê?…

Sei que insultei as veias
com cravos que cravei
no pensamento,
por causa dos momentos
de flores murchas
pela melancolia.

Gritei ambivalências
ao músculo que batia
por um pouco de calor,
por um refrão cantado
por ti em flor,
como antes!

Antes de haver um vaso
plantado de chuva inóspita
carregada de ausências.

Antes das vidraças
se tornarem permeáveis
ao vento Norte.

Antes do silêncio se infiltrar
nos lençóis brancos
da minha mente.

Antes do Douro
se juntar ao Guadiana
num oceano criado
pelos sentimentos desertos
no inverno da imaginação
de ouro.

Agora solto as lágrimas
como torrente sem tempo
num preâmbulo
anterior ao nada
e deixo a alma resvalar
para o abismo
da dança de Morfeu.

Está frio.

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Agonizante


Deste resto sem rasto me separo
da mísera insignificância que sou
pedaço de aventura que só mudou
por ser tão vil como fraco amparo

E o rosto sulcado pelo eterno avaro
mergulhado a fel que o sal inundou
nada mais é do que o carvão sujou
perante a solidão com que me deparo

morre-me a palavra torpe ao ouvido
afiada por lâmina cravada e cortante
neste peito sangrante e absorvido

onde a confiança se perdeu vibrante
por um naco de sonho tão perdido
como arpão em dorso agonizante

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Sede de infinito


"Sinto uma sede de infinito
quando a pele se arrepia
ante o teu olhar
adivinhado
por entre as entrelinhas
num abraço tão terno
quanto o sabor
do amor feito na hora..."

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sábado, 23 de janeiro de 2016

Ana


Ana do sorriso bonito e sincero
Da gargalhada fácil e amável
De uma ternura imensurável
E sem qualquer tipo de exagero

Ana da palavra sempre corajosa
Para qualquer amigo que precisava
Cujo olhar a tudo e todos serenava
Mulher, mãe, amiga carinhosa

Ana do abraço pronto e saudoso
Força, alegria e alento da natureza
De génio bravo mas afetuoso

Ana cujo cante fez ninho e magia
Nos braços da campaniça com pureza
És agora a estrela que nos guia

Rosa Alentejana Felisbela
(Pintura de Sandra Bettencourt)

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Sempre tu


Enquanto o vento da morte soprar
e os pássaros rasarem os mil pés de altura
desse penhasco que é o crucifixo da tua pele,
Lucifer subirá ao cimo da loucura

e o perigo será um aliado!

Enquanto isso, arderão montanhas e as cinzas
irão cobrir as nossas cabeças
e com fome do Prozac do teu olhar
tronar-nos-emos criaturas desérticas em prados abandonados,

e o perigo será um aliado!

Das nossas mãos cairão rosas selvagens
com espinhos ensanguentados pelo rio de tormentas
do rosto crivado de impaciência…
E os dias de inclemência ressurgirão,

e o perigo será um aliado!

Um beijo de espólio, um orgasmo em pé feito
com a pressa da raiva pregada na Cruz,
um último cigarro rasurando os lábios
e um escarro derrubado pela medonha bizarria,

e o perigo será um aliado!

Rosa Alentejana Felisbela
(Imagem da net)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Aqui jaz o meu desassossego!



Porque me choram os olhos? São estes campos minados
de letras, prestes a explodir a cada minuto, que me tolhem,
que me arranham, que me tiram a sorte e que me acolhem
Nas mãos a granada tão pronta tocando a rebate a finados

Enquanto vogais mudas se conformam nos olhos parados
os dedos buscam a cavilha detonando a minha desordem
de tristezas. “Chuviscam” versos tísicos que na boca ardem
num fedor fatal, cravam-se nos pulmões e são fulminados

pela má sina, pela desgraçada retórica da “gramática-morfina”
que me abocanha os gestos, que me odeia, que me morde
na face e me sacode! Escrevo na lápide em letra pequenina:

“Aqui jaz o meu desassossego!”Peço ao filósofo que me acorde
da epifania do degredo pois, nas veias esgotou-se a melanina
e degluto o negro no sangue. É sem ar que choro a minha morte!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem de Ana Viegas)

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Amor lembrança


Existe uma palavra meiga inscrita nos lábios
gravada a saudade num beijo suave e doce
cheio de ti, cheio de mim, um adeus precoce
perante esses cálices de paixão tão ébrios

Existe um exaltar de corpos de afetos doloridos
pelo prelúdio que antecede a frenética posse
vulnerável de partilha ou de dádiva que fosse
nos caminhos tortuosos mas por nós cumpridos

Porque a palavra encaixa-se na terna perfeição
que existe entre nós mesclada de esperança
da ausência de dúvida quanto ao amor, coração

cúmplice dos sonhos acomodados na lembrança
que teima em ficar na pele, nos olhos e na mão
como fogo alentado pelas chamas em cálida dança

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)


segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Nuances


Quando o tempo era dourado de ceifas e foices
Havia um caminho a pé para a escola, lamacento
Havia uma tal alegria que ainda hoje eu a invento
Quando a mim me foge o tempo das coisas simples

Quando as rodas de madeira rodavam cúmplices
Havia um cheiro a pó e barro, a ovelhas e a jumento
Havia o som de chocalhos, balidos, grilos e vento
Quando a mim me fogem essas antigas nuances

Ainda hoje leio o caderno pautado das lições
Que a professora da primária nos ensinava
Ainda ouço as tabuadas cantadas aos tropeções

Ainda ouço o cão ladrar lá fora nas suas aflições
Que o galo da vizinha cedo demais cantava
Ainda o dia nascia para tantas novas realizações!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

domingo, 17 de janeiro de 2016

Integridade


Sinto-me encruzilhada num rumo ou Norte certo
Procura perdida no pó de uma estrada qualquer
Agora sigo sozinha a sorte que eu bem quiser
Pelas pedras que piso e que de longe faço perto

Passo a passo vou vencendo etapas por querer
Viver do vício de vencer o mundo tão deserto
Pois o que pretendo são flores no dia encoberto
Colorindo a minha pele a cada novo amanhecer

Jamais mudarei a forma de pensar ou o que sinto
Por motivos frívolos ou pessoas inconsequentes
Seguirei sempre o que sonho, seguirei o instinto

Mesmo que julguem as minhas ideias incongruentes
Porque prefiro o meu próprio pensar, num labirinto
Do que curvar-me às mentiras torpes e insolentes

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Velha espera


Penteio os cabelos, pela manhã orvalhada
Enquanto pérolas escorrem simplesmente
Pelo perfume imaculado que leva o pente
Rumo aos finos fios prateados como seda

Prendo-os num coque como tu gostavas
Disfarço as rugas com um sorriso airoso
Visto um vestido azul, que crias amoroso
Que realçava os contornos que amavas

Calço mais um dia, de solas desgastadas
Vou sentar-me no banco de madeira rosa
Frente àquele jardim da espera dolorosa
Onde me prometeste mãos cheias de nadas

Sinto mais uma vez o cheiro das laranjeiras
Misturado com o eucalipto na ponte por perto
A minha velha memória já não sabe ao certo
Quando nos abraçámos e perdemos estribeiras

Recordo a tua forma de proferir certas palavras
O teu sorriso quando me chamavas “querida”
A blusa que tinhas um tanto ou quanto colorida
Lembrando um episódio de quem tanto adoravas

E volto a ver o por do sol, meu “mel” querido
Transbordando ainda na minha pele morena
Continuo aqui sem nenhuma espécie de pena
À espera de ti, o meu velho amor perdido…

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

Sou Pó


Sou pó
Partícula perdida
Película transparente
Pecado arquivado na mente
Triste lamento criado por um Deus particular
Particípio do passado escrito por um poeta peculiar
Ao……………………….pó……………hei de…………..retornar!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Campo


Tenho as mãos doloridas da dura enxada
O peito a rebentar de trabalho desde cedo
As costas a arder, toda a fronte transpirada
Os braços a fraquejar em tamanho degredo

Ainda há pouco ouvi o pardal no arvoredo
E a fome bateu-me na hora certa acordada
Pelas migas do tarro, e eu não me excedo
Sonhando com a sorte, talvez um dia mudada

Com um copo de tinto, tinjo as faces cansadas
Sem tempo para mais do que um rápido olhar
Para a planície castanha, as veredas caladas

Num suave suspiro de grilos e cigarras a cantar
Só o rio, ali perto, conduz alegrias murmuradas
Para uma terra longínqua onde um dia vou chegar!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

É tão depressa noite...



“É tão depressa noite neste bairro”
que os telhados espreitam sobre o manto escuro
e triste da noite
e bebem de um trago só o licor da lua
- bebedeira certa com letras-
enquanto as estrelas rastejam nos restos do dia
e acendem o que ainda sobeja da vida
para que os sinos da igreja rebatam
a homenagem à palavra-mãe
de todas - a poesia!
Simplicidades
trazidas pelo movimento lento dos moinhos
da imaginação ao rosto - foto a preto e branco -
do silêncio que se avizinha.

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Meu pai


Pai, quero dizer-te que, quando eu nasci havia um canto
meio chão, meio ar que navegava dentro e fora de mim

Um tempo estagnado e amparado por mãos firmes,
essas que sempre me aqueceram e que me aconchegaram
num sono enternecedor de viver

Havia um naco de luar preso a uns olhos doces e serenos
e uma leve brisa perfumada de canela e mel
que me fez crescer uma vontade de beber fôlego,
de devorar o ar, de ser!

Havia um sorriso cristalino emoldurado, embevecido,
que se aninhou por dentro das minhas e das tuas mãos

Desse toque nasceu o destino que nos uniu
no abraço carinhoso da evolução, com as semelhanças e diferenças
que um corpo pode ter

Juntos segredámos silêncios e só reconhecemos cumplicidades
apenas com um olhar, e foi por ti que abri os meus olhos
no primeiro choro de alento gritado…Aqui estou eu
a pedir permissão para sonhar ao teu lado…

Sou eu pai…o teu filho adorado!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)