quinta-feira, 5 de março de 2015

Estórias


Quando deito os olhos sobre a seara de trigo que avisto da janela do meu quarto, toco com a memória no horizonte e as ideias rodeiam-me, num redemoinho sem lógica e doem-me as sequelas.
Visto-me de recordações com o pano-cru das vivências onde te encontro sentado ao meu lado. Sobre a mesa há a vibração dos beijos matinais, que mordo nos lábios, numa saudade demorada…
Ainda sinto aquele abraço morno com o calor da hortelã-pimenta entre os dedos agradecidos.
Depois…não sobrou mais nada, somente o escuro e doloroso silêncio.
Mas ainda tenho o sol a embriagar-me a melanina no corpo.
Ainda tenho a brisa da madrugada fria a acordar-me os sentidos.
E ainda tenho o dicionário dos sentimentos pronto a abrir-se sobre o meu colo, mesmo aqui ao lado, e as palavras soltas nos cabelos…
Talvez te escreva mais um poema…
Talvez nunca mais leias o abismo entre nós…
Talvez eu morra e enterre os meus restos no baú das minhas mágoas!
Restaram-me as prosas rente aos olhos e algumas sílabas debaixo das pálpebras como pó arrastado para debaixo do tapete…
Restaram-me algumas hipérboles que nunca compreendi e a lagarta dos meus pensamentos com raiva a querer tornar-se mariposa.
Não sei onde colocar as ações! Ao lado do monte de papéis que inundam o chão? Ou entre as mãos do tempo para que ele me baste? No meio da crise financeira onde todos adulam a inteligência para fugir com elegância? Já me sinto enferrujada para colocar o pé direito no chão a empurrar os dias, enquanto o esquerdo fica a tentar manter o equilíbrio a cada hora...
Sobrou-me o sonho repleto de vogais e consoantes matizando-me as frases e as faces de lágrimas e do vento que me seca a garganta!
Arrisquei a minha sanidade mental num lusco-fusco vago onde as cores se esboroaram…
Falhaste-me a dignidade enquanto eu acordava…
A vida tem formas certas de contar estórias e eu tenho formas erradas de as completar.

Rosa Alentejana
05/03/2015

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