sábado, 3 de janeiro de 2015

Barro


Levanta-se a madrugada num arroubo de aves roçagando as asas pelos telhados oblíquos, pelos finos fios de luz vistos de longe e no ar derrama-se o chilrear absoluto de quem teima em acordar.
São os teus olhos, carregados de memórias de parcos tempos que se levantam sem o manifesto cansaço, porque é preciso colocar a mesa todos os dias para os filhos e para a mulher.
São os teus braços as vigas que seguram a casa, como pilares, espreitando carinhosamente a família, e perante o cheiro a café da manhã acordam para a labuta diária dolorida.
Tomas o teu lugar na carroça carregada pelo doce burro da cor da pressa e, como Rei, incitas ao caminho do reino da exaustão, pois é de suor a pá que escava o barro dos lamentos, e de horas incertas os buracos abertos antes do sol raiar.
Mas é na roda que roda e rodopia ao ritmo das botas já gastas e desbotadas, que o barro sofre a metamorfose do afago, a carícia acetinada dessa magia colada à derme que encerras nas mãos, que veneras e que temperas com a tua arte. São teus filhos os frutos que colocas carinhosamente ao luar.
Depois é o cheiro da lenha a arder por dentro do forno, o cheiro da loiça que se espalha entre os sonhos de dias com pão, de dias com sapatos e roupa domingueira envergada na véspera de Natal e tu… embevecido, com um naco de orvalho nos olhos, sobrevives a mais uma hora, a mais uma pena alojada na saudade de um dia vencer!
Rosa Alentejana
27/12/2014
(imagem da net)

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