quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Sobre o cante alentejano


Primeiro alinham-se os lenços, aconchegam-se as samarras aos ombros já cansados de tanto sol, e o chapéu ligeiramente tombado sobre os olhos sombreia a face corroída em forma de mapa de caminhos secretos e secos, de uma vida aberta ao campo, como o peito de um alentejano pleno de voz…
Depois escuta-se o pigarrear risonho dos homens, na sua lida ordenada pelas posições que cada um sabe que vai ter, com o arrastar dos passos tantas vezes ensaiados, e os braços entrelaçados num olhar partilhado que entrega o entendimento ao “ponto”.
Quando desponta a sua voz grave do íntimo abandono à ceifa, abrigada à sombra que não sobra das azinheiras, tira-se o pão do “tarro” já duro e que endurece ainda mais a terra. E surge o fino fio de azeite entornado sobre as “migas” paridas pela madrugada, num esforço por renascer a alma e o corpo, mais a água da “quarta” de barro, fresco farrapo de consolo bebido pelo “cucharro” e oferecida pelo “aguadeiro”.
E o “alto” desperta da solidão, tal como rouxinol cantando à beira do desaguar de um rio, juntando-se a ele o “rancho” como pardais em debandada com a chegada do raiar do dia.
Dizem que o cante é triste como a azeitona negra e madura, que reflete as folhas verdes da esperança por mais um dia de ”jorna”…que sobram os fados guardados no amor à terra e que a forma dolente das vozes espelha o cheiro dourado que têm as espigas…que enaltece o rubro arrufo que tem o girassol quando as papoilas abraçam as suas raízes…que a “madorna” do calor é inspirada na flor branca da esteva ao soluçar a sua sede pela água de um ribeiro…que o mocho pia no outeiro de noite porque sente a lágrima da lua a chegar ao monte…
Não sei, mas posso muito bem adivinhar que o povo fica feliz quando os ouve cantar!

Rosa Alentejana
27/11/2014
(imagem do Diário do Alentejo)

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